O desafio dos voluntários para acolher e entreter as crianças abrigadas da enchente

Em meio às enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, voluntários estão unindo forças para acolher as crianças integrantes de famílias que precisaram deixar suas casas e, agora, estão em abrigos. Na capital gaúcha, psicólogos, professores e demais ajudantes atuam em diferentes locais, oferecendo explicações lúdicas e atividades recreativas aos pequenos.

A psicóloga Marina Gomes, que está atuando como voluntária no abrigo montando no Colégio Santa Doroteia, onde normalmente trabalha como orientadora educacional da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental, comenta que o local já conta com um grupo de voluntários específico para o atendimento das crianças. Entre essas pessoas, estão profissionais das áreas de psicologia, recreação infantil e música:

— Eu e duas colegas voluntárias estamos presentes para organizar e orientar os voluntários, porque muitos não sabem o que falar ou como interagir com essas crianças. No geral, elas estão bem, mas percebemos que os adolescentes, em um primeiro momento, não conseguem chorar, expressar tristeza e colocar para fora. Eles têm uma compreensão diferente das crianças, porque entendem o impacto disso.

De acordo com Marina, o colégio está atendendo mais de 80 crianças e adolescentes de até 16 anos. A abordagem com esse grupo não envolve questionamentos, explica. Há uma aproximação cautelosa e respeitosa. Nas conversas, os voluntários utilizam o lúdico para esclarecer possíveis dúvidas, sem mentir ou omitir a verdade dos pequenos, mas adotam sempre um tom esperançoso.

— A gente se aproxima, conversa e tenta entender a demanda de forma não invasiva. Se não quiser conversar, a gente respeita e se coloca à disposição para falar em outro momento — afirma.

Conforme a voluntária, as crianças não estão fazendo muitas perguntas sobre as enchentes, mas compartilham suas experiências por meio de brincadeiras — barco e chuva são temas frequentes, por exemplo. Marina relata que uma menina estava brincando com uma boneca Barbie e narrando que a boneca estava voltando para sua casa com muitas compras de mercado. Além disso, nota que os pequenos estão mais agitados, enfrentando dificuldades para relaxar e dormir à noite.

Os voluntários atuam ainda na mediação de conflitos, já que os pais estão muito estressados com toda a situação. Também tentam desenvolver um senso de coletividade nas crianças, buscando ajuda para organizar a área de brinquedos, que ficam disponíveis durante todo o dia.

— No turno da tarde flui melhor, com mais recreação e brincadeiras. Na terça-feira (7), teve uma festa de aniversário com o tema da Elsa (de Frozen, da Disney). Hoje, a ideia é fazer outras brincadeiras, contação de histórias e música, que é um elemento que chama a atenção — conta Marina, destacando que há uma planilha com ideias de atividades e que estão planejando fazer a leitura de um livro que trata sobre as enchentes.

A obra citada pela voluntária é Céu, Sol, Sul, elaborada neste ano pela psicóloga Cristina Saling Kruel, com o objetivo de explicar os últimos eventos de forma lúdica para as crianças. Além desse livro, já circula pelos abrigos o título E a chuva…, escrito e disponibilizado recentemente pela também psicóloga Sabrina Führ. Nas redes sociais, muitos voluntários afirmaram que iriam imprimir as páginas para compartilhar com os pequenos atendidos.

Durante a festa de terça, as crianças abrigadas no colégio também receberam a visita de profissionais da Cia Lúdica. A ideia desse trabalho voluntário surgiu a partir da necessidade observada em muitos abrigos, explica a pedagoga e diretora da empresa de recreação infantil, Yasmin Sanford.

Segundo Yasmin, as equipes da Cia Lúdica foram divididas em pequenos grupos, que percorrem Porto Alegre durante o dia para levar música e brincadeiras a esses locais de apoio.

— Estamos tentando atender o maior número de abrigos por dia, principalmente aqueles que não estão tendo essa parte recreativa. E ontem percebemos o quanto esse momento de lazer é essencial para as crianças, porque elas têm muito tem ocioso, o que acaba gerando muita ansiedade. E, quando estamos lá, é um momento de pausa nos problemas — comenta a diretora.

As atividades e o tempo que os voluntários permanecem em cada abrigo dependem da quantidade de crianças e da faixa etária, mas as visitas costumam envolver atividades de interação e conexão, contação de história e brincadeiras sugeridas pelos participantes. Os abrigos interessados podem contatar a Cia Lúdica por meio do perfil no Instagram.

No abrigo instalado na Fenac, em Novo Hamburgo, também há uma atenção especial para as crianças. A farmacêutica Ana Groehs, que atua como voluntária no local, conta que os pequenos já fizeram muitos amigos e costumam circular bastante pelo espaço. No domingo (5), ajudantes começaram a elaborar atividades recreativas e instalaram alguns brinquedos, como cama elástica e cavalinhos em um pavilhão mais afastado.

— Ontem tinha pessoas com fantasias, fazendo roda de música, brincadeiras e distribuindo balões. Em outro abrigo da cidade que fui também colocaram uma cama elástica e é ótimo, porque elas ficam entretidas — comenta.
Abrigo para famílias atípicas

Em Porto Alegre, há ainda abrigos específicos para atender as demandas de famílias atípicas. A jornalista Débora Saueressig, uma das idealizadoras do Instituto Colo de Mãe, fundado em parceria com a nutricionista especializada em autismo e neurodivergências Roberta Vargas, explica que há dois espaços com esse objetivo: um na Rua Jari, 221, no bairro Passo d’Areia, com poucas vagas disponíveis no momento, e outro na Avenida Nilo Peçanha, 2.400, que será aberto depois que as vagas do primeiro esgotarem.

Os locais recebem crianças de até 12 anos, com transtorno do espectro autista (TEA) ou algum tipo de deficiência, acompanhadas por pais ou responsáveis. Em ambos os espaços, há equipes de saúde formadas por profissionais de áreas como fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, pediatria, neurologia, neuropediatria e enfermagem, que oferecem o suporte necessário para esse público.

— Como somos um instituto de acolhimento à parentalidade atípica e somos mães de autistas, entendemos muito no início dessa tragédia que, se nossos filhos precisassem sair de casa, não poderiam ir para abrigos convencionais. Isso em função do excesso de barulho e estímulo e da falta de alimentação adequada. Então nos disponibilizamos a conversar com os médicos e a montar abrigos que tivessem um acompanhamento com pessoas que têm manejo com autismo, porque é muito específico — esclarece.

De acordo com Débora, os espaços têm o mínimo possível de barulho e estímulo, e conseguem atender as restrições alimentares e necessidades médicas de cada um. A jornalista afirma que as crianças têm chegado aos locais muito desorganizadas e fragilizadas.

— São pessoas que tiveram que deixar tudo para trás e, para um autista, sair da rotina é algo muito desorganizador. Muitos estão passaram por três abrigos antes de chegarem até nós, que temos estrutura para atendê-los — diz, ressaltando que as famílias passam por uma anamnese de saúde para que possam entender suas reais necessidades.

Fonte: GZH

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